Controlo da alimentação de base vegetal
Essencialmente dois motivos levam a que
alguém decida dedicar-se à helicicultura.
O primeiro prende-se com o interesse em
proteger uma determinada espécie e desta forma melhorar aquilo que a natureza
nos oferece.
O segundo motivo é de ordem económica, o
que faz com que muitos tenham a ideia de que a helicicultura é um negócio muito rentável. Contudo, pode não ser, pois é uma arte de difícil execução. O caracol
tem como base um ecossistema frágil e actualmente enfrenta alguns perigos, como
a poluição ambiental, o excesso de procura e as formas de agricultura agressiva.
A criação de caracóis comestíveis em
cativeiro (Helix Aspersa Máxima e Helix Aspersa Muller) está a evoluir
lentamente em Portugal e promete ser um nicho de mercado promissor. Praticada
há quase meio século em alguns países europeus, nomeadamente em França e na
Itália, está só agora a dar os primeiros passos na Península Ibérica. Nos
últimos anos, o aumento da procura deste molusco para consumo humano fez com
que os métodos de produção passassem a ser semi-industriais.
De uma forma geral, podemos considerar
três métodos distintos de produção de caracóis.
Um sistema intensivo de exploração, no qual
os animais são criados em bancadas sobrepostas. Estes locais encontram-se
completamente fechados e as condições de temperatura, humidade e luz solar são
monitorizadas de forma permanente, no sentido de possibilitar um maior número
de posturas por ano e assim maximizar os rendimentos.
Um segundo método baseia-se na criação dos
animais o mais aproximadamente possível do seu ambiente natural – em canteiros a
céu aberto, com sementeiras específicas, a fim de proporcionar o alimento e o
abrigo necessários. Este processo de criação apresenta uma taxa de mortalidade
muito elevada, pelo que se torna menos rentável economicamente que o anterior.
Por último, e talvez o mais inovador dos
métodos de criação de caracóis para consumo humano, é aquele que de alguma
forma conjuga os dois métodos anteriormente mencionados. Separa as três fases
cruciais da vida de um caracol – postura, eclosão dos ovos e engorda. Deste
modo, é possível abordar cada uma das etapas tendo em conta a sua
especificidade, melhorando assim a prestação final: maior número de nascimentos
e menor número de mortes.
Exigências da criação de caracóis
São de salientar alguns pontos que
diariamente devem ser tidos em conta aquando do processo de criação de
caracóis:
Crias de caracóis |
- Sanidade: Esta é de extrema importância
neste tipo de exploração animal. Humidade e temperatura amena são ambientes ideais
para a propagação de doenças.
Assim, existe a necessidade de manter as
instalações sempre limpas, sem excrementos, restos de alimentos e de animais
mortos para, deste modo, evitar ao máximo o aparecimento de doenças. As doenças dos caracóis encontram-se pouco estudadas e, como tal, nem sempre é fácil
prever e prevenir patologias. É pois impreterível a máxima higiene das
instalações e dos equipamentos.
Bactérias, ácaros e nemátodos são as
principais origens das doenças e parasitoses que afectam mortalmente o caracol.
As bactérias existem naturalmente no tubo digestivo dos caracóis e causam
problemas quando existe uma acumulação de excrementos ou quando a alimentação
escasseia. Os ácaros são também perigosos, provocando reduções muito
significativas no rendimento das culturas quando se encontram em grandes quantidades
nas explorações. Por último, os nemátodos – parasitas que invadem os intestinos
e outros órgãos do caracol – provocam, por exemplo, danos no sistema reprodutor
deste.
- Condições ambientais: Temperatura,
humidade e iluminação. A temperatura ideal para o desenvolvimento do caracol
ronda os 200C. Abaixo dos 100C o animal reduz significativamente o seu metabolismo
interno, podendo entrar em estado de hibernação.
Acima dos 300C, os caracóis entram em
estivação, especialmente se a humidade relativa for baixa. Humidade relativa é outro
factor importante para o caracol. Estes preferem valores de humidade relativa
entre os 70% e os 90%. No que toca à iluminação, o caracol não gosta que a luz
solar incida directamente nele, pois seca-lhe a pele. Desta forma,
caracteriza-se por ser um animal que gosta de sombra, mas necessita de 12 a 18
horas de luz solar por dia.
- Maneio diário: Nos cuidados diários há
que ter atenção às condições de temperatura, humidade e inspecção dos locais
onde permanecem animais, com o objectivo de verificar o seu comportamento e
detectar e capturar os animais mortos. Os termómetros devem ser de fácil
leitura e de preferência com indicadores de temperaturas máximas e mínimas. De
igual modo, os higrómetros devem estar localizados estrategicamente por toda a
área. Sempre que necessário, as instalações e equipamentos devem ser lavados,
de modo a serem removidos os restos de ração e dejectos dos animais.
Implementação de sistemas de HACCP
Ovos de caracol |
No que toca à aplicabilidade da
metodologia HACCP como forma de analisar metodicamente todo o processo e de
determinar de modo exacto todos os potenciais perigos existentes, conclui-se
que:
- São altamente recomendáveis todas as
boas práticas descritas anteriormente, actuando estas como medidas de controlo
no decorrer dos diversos processos;
- Os terrenos devem ser alvo de um período
de descanso e de uma limpeza. A estabilização dos mesmos deve ser efectuada, por
exemplo, através da aplicação de cal viva. Desta forma, são possíveis terrenos
mais férteis e saudáveis para posteriores engordas;
- É de extrema importância a elaboração de
cadernos de encargos, onde são registadas todas as operações diárias
realizadas. Só assim é possível executar um tratamento estatístico dos dados e
perceber, por exemplo, o efeito das variações climatéricas na biologia do
animal. E desta forma melhorar os processos internos;
- Tendo em conta que em explorações intensivas
o alimento disposto naturalmente ao caracol é insuficiente, existe a necessidade
de complemento alimentar através de ração composta para caracóis. Neste caso, pode ser usado
o milho e a soja, não descurando a importância do fornecimento de cálcio;
- Considerando a vulnerabilidade biológica
do caracol quando afectado por algum tipo de contaminação biológica, este
sucumbe quase de imediato. Daí que não tenha sido identificado nenhum tipo de
patogénico alimentar humano em níveis considerados inaceitáveis;
- Em relação às contaminações químicas, aí
sim consideraram-se relevantes e com significância elevada. No fundo, estamos a
trabalhar num terreno agrícola, onde não conhecemos completamente o passado das
terras e, sobretudo, as alterações/contaminações a que estão sujeitos os
lençóis de água de abastecimento (por norma o abastecimento de água é realizado
através de captações próprias). É importante a monitorização dos valores
analíticos deste elemento.
Não descurando a legislação que enquadra o
caracol como elemento sujeito a controlo analítico no que respeita à
microbiologia (gastrópode vivo), considera-se da maior relevância, do ponto de vista
da segurança alimentar, ter igualmente em conta a presença de elementos
químicos neste molusco. Como forma de avaliar aquilo que se designa por ponto
crítico de controlo (PCC), aconselha-se a realização de uma análise
laboratorial a uma panóplia de substâncias químicas – pesticidas (p.ex.
piretróides), imediatamente antes de iniciar a apanha do animal para venda. Conseguiremos,
assim, ter uma garantia fiável de que aquilo que se irá comercializar é seguro para o consumidor.
Artigo de Fernando Amaro, coordenador
técnico de Higiene e Segurança Alimentar
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