1 - A época certa
Para o molusco perfeito
De todas as coisas boas que só se podem fazer nos meses sem a letra "r" (jantares de marisco, nudismo, jogos sem fronteiras, etc.), os caracóis estão em louvável destaque. De Maio a Agosto há mais de 120 dias para mastigar gastrópodes de imperial na mão. Porquê? Porque é por esta altura que termina o ciclo de criação dos caracóis - é nestes meses que eles estão no ponto. O viveiro de caracóis que o i visitou dedica-se à criação da espécie Helix aspersa maxima - mais conhecida, nos reclames escritos em toalhas de papel, por "caracoletas".
2 - As condições ideais
Um bicho caprichoso
Experimente pedir isto a um agente imobiliário: alojamento perto do mar (para evitar oscilações térmicas) temperaturas nunca superiores a 25oC, muita vegetação, solo permeável e com um pH alcalino. O dito agente vai mandá-lo dar uma volta, um helicicultor não. São estas as condições ideais para a criação de caracóis (há quem se descuide e diga “cultivo”, dada a pacatez e a imobilidade dos bichos). É assim na Helix Oeste, empresa de helicicultura com estufas perto da Lourinhã, que a cada ciclo de seis meses produz oito toneladas de caracóis.
3 - Do pai ao filho
Vamos por fases
Os caracóis são criados em grandes canteiros dentro de estufas. Um novo ciclo recomeça cada seis meses e respeita as seguintes fases: hibernação (numa arca frigorífica com temperatura e luz que simulam o Inverno), reprodução, engorda e colheita. Depois de cada ciclo inicia-se um processo de vazio sanitário, em que, através de químicos, é reposto o pH do solo, que entretanto repousa. A colheita tem técnica, tal como a apanha da pêra ou a vindima: quando o rebordo da base do caracol está branco, o bicho está pronto para ir para uma caixa.
4 - A origem das espécies
Caracoleta vs. escargot
Nas esplanadas, a espécie de caracol mais popular é a marroquina. Mais pequenos que as espécies autóctones (o caracol português é maior, mas tem menos apetite sexual), são os mais baratos e chegam às toneladas. Com um custo de produção muito baixo, não faz sentido produzi-los no nosso país. A maioria dos helicicultores nacionais dedica-se à criação do gros gris, espécie popularizada em França – onde tem o nome de “escargot” e o prestígio que só a comida com nome afrancesado tem. Segundo o produtor Luís Lucas, a caracoleta “pode ser cozinhada de 1001 maneiras”.
5 - Produtor de caracóis
Mudar de vida, desacelerar
Luís Lucas trabalhava a grande velocidade. A certa altura trocou uma carreira acelerada na aeronáutica, junto a jactos que ultrapassam a barreira do som, por uma vida mais pacata à volta de animais que, no máximo, trepam umas barreiras de esferovite. Foi inspector de segurança aeronáutica e chegou a trabalhar 16 horas por dia. “Sobretudo depois do 11 de Setembro, as coisas complicaram--se muito”, lembra. Um dia, numa reunião de trabalho em França, conheceu um helicicultor e entusiasmou-se com a ideia. “Paguei dois euros por cada escargot. Percebi que havia ali um bom negócio”. Começou em 2003, em Runa, passou pelos Açores e está agora estabelecido na Praia da Peralta, Lourinhã.
6 - No prato com...
Adivinha quem veio para lanchar
Pode parecer cruel, mas andamos a fazer o mesmo às lagostas há séculos: as caracoletas vão ainda vivas para uma chapa a escaldar. Viradas para cima, sempre, para que os restos de baba e demais excreções saiam. Depois é remexê-las na chapa e ir juntando sal a gosto enquanto as vemos morrer – para os mais sensíveis aqui fica o esclarecimento: os caracóis sofrem em silêncio, sem gritos ou gemidos. São servidos numa travessa, com o molho à parte, numa tigela também de metal. A receita é secreta, variando de casa para casa, mas o mais certo é encontrar lá quantidades generosas de malaguetas. Na mão, uma espécie de garfo minúsculo ajuda a expropriar o animal da sua casa. O resto é fácil.
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